segunda-feira, setembro 15, 2025

Basílica de Sacré-Cœur

 


A Basílica de Sacré-Cœur (Sagrado Coração) é uma das mais famosas igrejas de Paris. Construída no final do século XIX, ela resgatou a arquitetura romana e bizantina, com paredes sólidas.
A igreja é adornada com belíssimos vitrais, pinturas e esculturas – e uma réplica do santo sudário. E, embora tenha um estilo arquitetônico oposto ao de Notre Dame, também tem várias gárgulas que podem ser vistas na lateral do prédio.

A basília fica no alto do Monte Martre, o local mais alto de Paris e de lá é possível observar toda a cidade. Nos arredores há dezenas de lojas de lembrancinhas, café, restaurantes e quiosques nos quais são vendidos os tradicionais sanduíches parisienses, com pão baguete.

Os melhores do mundo

 


Super-homem e Batman são os dois mais famosos heróis da DC. Embora sejam totalmente diferentes um do outro, foram unidos em uma das revistas de maior sucesso da Era de Prata, a Word´s Finest (conhecida aqui como Melhores do Mundo). Um dos fãs dessa revista era o desenhista Dave Gibbons, famoso pela série Watchmen. Gibbons propôs à DC fazer uma série, revivendo a parceria. Para desenhá-la foi escalado Steve Rude O resultado foi uma das melhores publicações da década de 1990.
Em muitos sentidos, Melhores do Mundo é o oposto de Watchmen. Se Watchmen teve como principal mérito a desconstrução dos super-heróis, em uma abordagem extremamente realista, Melhores do Mundo é uma homenagem aos heróis e às suas características mais marcantes.
Pelo que pode-se ler do roteiro no final do volume publicado pela Panini, Gibbons deu total liberdade narrativa a Steve Rude, descrevendo apenas sequências, que o desenhista poderia desenvolver de acordo com sua própria narrativa visual. E, meus amigos, Rude é a grande atração da revista. Seu desenho de linhas simples, limpas, mas repleto de detalhes de fundo, é simplesmente perfeito para o projeto. A sequência em que Bruce Wayne visita o Planeta Diário é um bom exemplo disso. Embora o foco seja a convera de Wayne com Lois Lane, as mulheres que passam por eles e olham maravilhadas para o milionário ajudam a caracterizar o alter-ego do Batman como um galã pelo qual todas as mulhes se apaixonam.
O traço limpo e anatômico de Steve Rude era um alívio numa época em que até os músculos dos heróis tinham músculos.

Na história, os vilões fazem um acordo e trocam de cidade: assim, o Coringa vai para Metrópoles e Lex Luthor tenta dominar Gothan. Esse acordo faz com que o Super-homem e Batman também troquem de cidade.
A caracterização dos dois locais é um dos pontos altos da série: Gothan é uma cidade gótica e sombria, suja, enquanto Metrópolis é uma iluminada e dourada cidade art-decó.
Essa dicotomia se reflete também nos protagonistas. Na primeira vez que se encontram, Bruce Wayne e Clark Kent estão abaixo de um relógio, que marca meia-noite e cinco. Wayne diz: “Boa noite”, ao que o outro retruca: “Bom dia”.
Publicada no início dos anos 1990, Os melhores do mundo era um verdadeiro ponto fora da curva numa época em que os heróis estavam se tornando cada vez mais sombrios e violentos e o desenho se tornava uma atração em si (como se fossem pôsteres), deixando a narrativa em segundo plano. Na década de 1990, até os músculos dos heróis tinham músculos.
A série era uma deliciosa volta aos tempos em que os quadrinhos eram apenas divertidos.

Curitiba: cidade modelo

 


Curitiba é hoje uma das cidades mais elogiadas e copiadas do mundo. O modelo urbano premiado surgiu na década de 1970 quando um engenheiro foi nomeado prefeito de Curitiba pelo regime militar.
Ao invés de nomear um político, como havia sido feito em outros locais (Collor, por exemplo, foi indicado prefeito de Maceió), na capital paranaense resolveram colocar como gestor um técnico: Jaime Lerner. Eu vi propagandas políticas de Lerner e posso garantir que ele nunca seria eleito. Não era um político. Seus vídeos eram ele com um pincel atômico, desenhando suas propostas. Parecia um técnico apresentando sua proposta para clientes.
No entanto, lá estava ele, no comanda da capital paranaense e o resultado todos conhecem: ele transformou uma cidade provinciana, quase desconhecida em uma referência mundial de planejamento e mobilidade urbana. Um planejamento tão acertado que impediu até mesmo que a cidade tivesse uma cracolândia, já que não há áreas por onde as pessoas não passam (a cidade foi pensada para promover essa movimentação de pedestres).
No entanto, nunca ouvi nenhum defensor dos militares citar Curitiba ou Jaime Lerner. Da mesma forma, nunca vi nenhum desses citar o general Golbery, um dos mentores do regime militar, grande gênio, conhecedor de filosofia, política, sociologia. É curioso que nenhum desses seja sequer citado.

Depois da Terra



Às vezes um filme acaba sendo prejudicado pelo que se espera dele. É o caso de Depois da Terra, filme dirigido por M. Night Shyamalan. Todos sabem que a película tinha o objetivo de alavancar a carreira do filho de Will Smith, e, assim, muitos esperavam apenas mais um filme de ação hollywoodiano. Por outro lado, os fãs de M. Night Shyamalan esperavam mais um suspense com final surpresa que caracterizou o diretor em obras como Sexto Sentido e Corpo Fechado.

Depois da Terra acaba não sendo nem um, nem outro, mas o saldo disso é positivo. O diretor conseguiu imprimir seu estilo à película, transformando-a em uma FC reflexiva, intimista, em que as peripécias de Jaden Smith são na verdade, apenas a parte visível de uma personalidade que vai sendo mostrada aos poucos. 
A conflituosa relação com o pai acrescenta mais uma camada a esse personagem surpreendentemente tridimensional. Apesar de não ser um filme autoral, Shyamalan imprimiu sua marca a cada take. Está tudo lá, os planos, a floresta (que lembra muito A Vila) e até os flash backs muito bem colocados na narrativa, em momentos-chave. Esqueça o preconceito e assista.

O Imortal Hulk

 


Nos últimos anos nós temos visto muitas situações nos quadrinhos em que um desenhista era a estrela. Em outras, o roteirista era a estrela. Mas uma boa história em quadrinhos é uma sintonia perfeita entre texto e imagem, entre desenhista e roteirista. Algo que foi alcançado muito poucas vezes: Stan Lee e Jack Kirby, Gerry Conway e Garcia-Lopez. E é exatamente essa sintonia que faz de Imortal Hulk (cujo primeiro álbum foi recentemente lançado pela Panini) uma obra tão importante.
Essa nova fase do Hulk é escrita pelo britânico Al Ewing e ilustrada pelo paraense Joe Bennett (ou Bené Nascimento, para os íntimos) e é impressionante a sintonia entre os dois: o roteiro funciona porque o desenho funciona e o desenho funciona porque o roteiro funciona.
Na trama, Bruce Banner descobre que não pode morrer, pois o corpo do Hulk sempre irá se restaurar.
A trama começa com um assalto a um posto de gasolina, uma sequência cinematográfica com planos que muitas vezes contam a história sem necessitar de palavras – e Ewing foi inteligente o suficiente para perceber que essas sequências muitas vezes não precisavam de uma única palavra.
Toda essa sequência tem apenas um texto-legenda, emblemático, essencial para entender toda a história e que será repetido e resignificado ao longo da trama: “Há sempre duas pessoas no espelho. Há aquela que você vê. E tem aquela outra. A que você não quer ver”. O trecho é de uma genialidade semiótica, pois pode se referir ao garoto que está assaltando o posto de gasolina, a Bruce Banner, ao Sasquatch e até mesmo à repórter que investiga a história.

Al Ewing usa muito bem todo o background psicológico já estabelecido por outros roteiristas, em especial Bill Mantlo – segundo o qual o Hulk já estava ali, no menino Bruce Banner, em resposta aos abusos do pai e apenas aflorou no contato com a radiação gama. Isso dá ao personagem uma profundidade insuspeita nesses tempos de ação desenfreada.
E, enquanto Ewing cuida da alma do monstro, Joe Bennett cuida dos punhos. Suas sequências de ação são magistrais. Além disso, o seu Hulk tem tudo para se tornar o Hulk definitivo: embora nitidamente inspirado na fase de Jack Kirby no personagem, ele aqui se torna muito mais brutal, uma brutalidade que explode nas splash pages.

Há alguns senões. A parte três, por exemplo, é ilustrada por vários desenhistas de acordo com o relato de cada uma das testemunhas. Mas Joe Bennett tem o traço eclético o suficiente para ter feito todas as sequências sem perder a unidade, como acabou acontecendo. Outro senão é a cor de Paul Mounts, escura demais, o que muitas veze esconde detalhes do desenho.
A série foi indicada ao prêmio Einser e no Brasil já esgotou a primeira tiragem. E não é sem razão: Imortal Hulk é um dos trabalhos mais interessantes já surgidos nos últimos anos nos quadrinhos. 

Deus salve o trouxa, de Donald Westlake

 


Pouco conhecido no Brasil, Donald E. Westlake é um dos mais importantes escritores policiais de todos os tempos. Seu grande diferencial era a capacidade de introduzir humor nas histórias, algo que pode ser perfeitamente observado no livro Deus salve o trouxa, publicado pela Artenova em 1972.

O protagonista e narrador da história é Fred Fritch, o maior trouxa que jamais existiu. A grande habilidade de Fred é cair em qualquer lorota que lhe contem. “Creio que tudo começou cerca de vinte e cinco anos atrás, quando voltei para casa sem calças no meu primeiro dia no jardim de infância”, conta o personagem “Daquele dia em diante minha vida tem sido uma série interminável de descobertas tardias. Os trapaceiros botam o olho em mim, esfregam as mãos e logo saem alegres a jantar um belo bife, enquanto o pobre Fred Fitch fica sentado em casa e mais uma vez a jantar as unhas”.

O livro inicia, aliás, com as narrativas dos vários golpes da qual ele é vítima. É o inquilino falso do vizinho que quer dinheiro para pagar o frete de uma encomenda que não existe, é a compra de um pule falsificado. Quando o protagonista compra um jornal, um policial o segue alegando que ele passou uma nota falsa. Vistoriando sua carteira, descobre mais várias notas falsas e as confisca para análise. Claro que é apenas um golpe.

Entretanto a vida desse herói azarado e crédulo vira de cabeça para baixo quando ele recebe uma herança de um tio desconhecido. A partir daí ele passa a ser alvo dos mais diversos trapaceiros. Destaque para o vizinho tentando convencê-lo a investir em um livro sobre aviões na época de Júlio César. “Eles usam metralhadoras?, pergunta fred. “Claro que não. A pólvora só foi inventada muito tempo depois. Faço questão de manter a fidelidade histórica!, responde o vizinho.

Mas não são só trapaceiros: alguém está querendo assassiná-lo.

O resultado dessa premissa inusitada é um livro divertido, repleto de ação e com uma surpreendente reviravolta final, no melhor estilo das melhores histórias policiais. Um final, aliás, que já está antecipado nas primeiras páginas.

Eu comprei esse livro em 1996, mas só recentemente peguei para lê-lo. Foi quando descobri que as páginas pulavam da 96 para a 129. Analisando a lombada, percebi que não houve qualquer alteração na encadernação. O livro tinha saído daquele jeito da gráfica e a editora, ao invés de descartar, resolveu colocá-lo à venda.  Pelo jeito, o trouxa não é apenas o protagonista, mas também quem comprou essa edição amputada. Poucas vezes um título fez tanto sentido.  Em tempo: a leitura estava tão divertida que eu continuei mesmo assim até o final.

domingo, setembro 14, 2025

Monsieur & Madame Adelman

 


Geralmente quando pensamos em comédia romântica, imaginamos uma trama pueril, com personagens pouco profundos e final feliz. Monsieur & Madame Adelman, filme francês dirigido por Nicolas Bedos e disponível na Netflix vai na contramão dessa imagem.
E essa ruptura já é visível desde a primeira cena. Nela, o famoso escritor Victor Adelman morreu e vemos seu funeral. É quando um jornalista que está produzindo um biografia do famoso autor procura a viúva e ela, surpreendetemente, resolve falar com ele. O jornalista quer uma outra visão sobre a celebridade que acaba de morrer e exatamente isso que Sarah lhe dá: o ponto de vista da mulher que viveu com o premiado autor por 45 anos.
Monsieur & Madame Adelman é um filme repleto de reviravoltas a começar pela profundidade e complexidades de seus personagens. A princípio parece uma comédia leve sobre uma estudante de letras absurdamente apaixonada por um jovem e promissor escritor, a ponto de namorar o melhor amigo dele e até o irmão deste apenas com o objetivo de conquistá-lo. Mas com o tempo vamos percebendo que a situação é muito mais complexa. Nessa fase é interessante acompanhar como a narrativa dela, dita ao jornalista, nem sempre coincide  com os fatos, criando uma espécie de ironia que gera algumas boas cenas de humor.
O filme vai acompanhando 45 anos da vida desse casal, seus mais diversos problemas enfrentandos e a paixão avassaladora de um pelo outro. Entretanto, em nenhum momento parece meloso, melodramático ou mesmo forçado. O humor irônico e muitas vez cínico ajuda muito a tornar a narrativa fluída.
Ao final, o expectador descobre que aquilo que ele achava sobre os personagens era falso, quando a realidade inverte as expectativas, deixando o filme ainda mais instigante.
É uma boa dica para quem pretende assistir  a um filme romântico que foge dos padrões convencionais.

Autismo

 



Eu nunca tinha pensado em mim como autista, até que meu neto começou a ter algumas crises inexplicáveis. Do nada, ele começava a fazer algo que parecia uma birra, mas não tinha uma razão de ser. Conversando com uma aluna que era voluntária em uma associação de autistas, ela comentou que ele poderia ser autista. Como resultado, comecei a ler e pesquisar sobre autismo – e quanto mais eu lia, mais eu via em mim características de autismo, aliás, muito mais do que no meu neto.

Algumas das minhas lembranças mais antigas já mostravam indícios de autismo.

Em uma delas, por exemplo, eu estou viajando com minha avó de trem e não consigo prestar atenção à paisagem porque estou muito incomodado com a roupa de frio. Eu tenho muita sensibilidade na pele, o tecido da roupa sempre me incomodou, mas quando a roupa é apertada é quase insuportável. Essa é a razão pela qual sempre usei roupas muito largas, o que inclusive gerou aquelas imagens engraçadas em que estou ao lado do Bené e pareço estar usando a camisa de uma pessoa duas vezes maior.

Também tenho muita sensibilidade a sons. Sons altos não são apenas irritantes. São insuportáveis. Dor de cabeça, irritação, dificuldade de pensar, tontura. Pessoas neurotípicas podem achar que é simplesmente uma frescura, mas para um autista estar em um local com som alto equivale a uma tortura, o que muitas vezes pode até gerar crises equivalentes à epilepsia.

Outra característica que já devia ter levantado um alerta, caso eu já conhecesse sobre autismo é o hiper-foco.  Eu sou do tipo que, quando começo a fazer algo, faço só aquilo. Eu ficava impressionado com a minha esposa, que era professora de Inglês e Filosofia e que conseguia preparar aulas das duas disciplinas na mesma manhã. Eu, quando começo a preparar aulas de uma disciplina, chego a passar uma semana ou até mesmo um mês e dificilmente consigo trocar para outra enquanto estou focado em uma.

(Trecho do livro A árvore das ideias. Para baixar, clique aqui)  

Homem-aranha e Tigresa

 


Uma das edições mais célebres da dupla Chris Claremont – John Byrne à frente do título Marvel Team-Up foi o encontro do aracnídeo com a Tigresa, no volume 67.

Na história, Kraven, o caçador, captura o Homem-aranha usando dardos paralisantes. Quando o heró acorda, dá de cara com o vilão, tendo ao seu lado Tigresa.

A imagem, uma splah page é impressionante e chamou a atenção de todos que leram a história: O aranha, acorrentado, em primeiro plano, de costas para o leitor. Em segundo plano, Kraven sentado em uma almofada, relaxando e a Tigresa ao seu lado, os cabelos soltos esvoaçantes. Na imagem, ela parece tanto uma gatinha ao lado do dono quanto uma perigosa felina pronta a pular sobre a presa.

Uma splash page de impacto. 


O que acontecera é que Kraven, ao ser perseguido pela heroína, instalara nela uma coleira que controlava seu comportamento, fazendo com que ela obedecesse ordens suas: “Ela anseia pela caçada. Você é a presa, Homem-aranha. Se ela o matar, minha vingança estará completa. Se for o contrário, você conquistará o direito à vida. Seu tem um deus, Homem-aranha, reze para ele!”.

A situação é uma sinuca de bico: o aracnídeo não pode matar Tigresa, mas sabe que se não o fizer será morto por ela. Esse dilema ético é o que torna essa história tão interessante do ponto de vista de roteiro.

A história é simples, mas cheia de ação. 


Quanto ao desenho, Byrne estava em plena forma e conseguia fazer imagens que refletiam a heroína como se ela fosse de fato uma felina.

A história, simples em sua essência, funciona muito bem.

Quarteto Fantástico: Os amigos de Wendy

 



Em 1987 a revista do Capitão América completou 100 números e para comemorar a editora Abril fez uma edição especial, de 160 páginas, com histórias clássicas e modernas dos personagens da Marvel. Ironia das ironias, a revista só não tinha histórias do herói do título. Ainda assim, foi uma seleção única, digna de constar em qualquer coleção.
A história do Quarteto Fantástico incluída no volume é um conto que mistura terror, fantasia e ternura infantil chamado “Os amigos de Wendy”, escrita e desenhada por John Byrne.
Na HQ uma jovem desconhecida visita o prédio do Quarteto e, para espanto geral, descobre-se que a é Tia Petúnia, do qual o Coisa tanto fala. Ela leva o Quarteto para uma pequena cidade no Arizona onde estão acontecendo mortes misteriosas: os cadáveres são encontrados com expressões de terror no rosto. De alguma forma a trama toda parece estar relacionada a uma menina, Wendy, vítima de violência doméstica.

A história tem as qualidades e defeitos de uma história John Byrne: boas ideias com um ótimo desenho, mas pouco aprofundamento da trama e dos personagens.
A HQ falha em mostrar o que realmente acontece no clímax da história, tanto que o Senhor Fantástico é obrigado a explicar, num tremendo bife de roteiro. Além disso, a própria Wendy não é tão bem explorada.
Histórias como essa mostram porque a parceria John Byrne e Chris Claremont funcionava tão bem: um entrava com boas ideias, o outro entrava com o aprofundamento das mesmas.

A voz do fogo, de Alan Moore

 

 

Quem lia quadrinhos na década de 80 espantava-se com a capacidade narrativa do mestre inglês Alan Moore. E surgia sempre a dúvida: ele se sairia tão bem na literatura, sem o auxílio dos desenhos? A voz do fogo, seu livro recentemente lançado no Brasil pela Conrad Editora, prova que quem é bom, é bom em qualquer mídia.
A obra traça a trajetória de Northampton, a cidade natal de Moore, por meio de seus habitantes. A trama tem início quatro mil anos antes de cristo e prossegue até 1995. São vários contos interligados que nos dão um panorama geral da localidade e de sua evolução, mesclando magia, reencarnação e sacrifícios.
O primeiro conto, O porco do bruxo, é provavelmente o mais interessante e também o de leitura mais difícil. Gira em torno do drama de um garoto na Era Neolítica, abandonado pela tribo quando sua mãe morreu. Imagine, então, o desafio de redigir uma aventura em primeira pessoa cujo narrador ainda não domina a linguagem falada. Para tanto, Moore cria uma linguagem estranha, sem tempos verbais e com pouquíssimos pronomes. O resultado é fantástico, mas árduo.
Sinta só este exemplo: Agora olha eu para baixo, para a grama em fundo da colina, vê porcos. Porcos grandes, compridos, um atrás de outro, traçando a fêmea, pelo que parece. Ver faz um osso subir dentro de eu vontade. Eu e barriga de eu, junto, posso descer colina correndo até porcos, acertar pedra em um e fazer ele sem vida, para comer ele todo. Antes é eu juntando isso. Agora é fazendo isso.
O episódio que vem a seguir é igualmente interessante. Os campos de cremação é uma trama policial e de suspense ambientada no ano 2.500 antes de Cristo. Em viagem para conhecer seu pai, um bruxo de uma rica aldeia, uma jovem depara-se com uma esperta andarilha, que já havia feito de tudo, inclusive vender uma criança perdida da mãe como escrava. Ingenuamente, a menina conta-lhe detalhes da fortuna do seu genitor. A mau-caráter, então, mata a incauta e apresenta-se na aldeia, fazendo-se passar por ela. A grande questão é saber se a impostora será descoberta ou não. A todo instante, Alan Moore mantém-nos no fio da navalha, jogando com os nervos da personagem e os nossos.
Neste mesmo episódio, dá-se algo que define bem a atuação do autor. O velho bruxo tatua, no corpo, o mapa de Northampton e assim influencia a cidade, que, por sua vez, exerce influência sobre ele. O mesmo ocorre com Moore. Suas palavras são uma espécie de magia simbólica que molda e se deixa moldar pela cidade. Compreender como isso transcorre e descobrir as coincidências entre as diversas tramas é mais um dos atrativos do livro. Muitas vezes, a conclusão de uma narrativa dá-se apenas em outra. Além disso, há personagens fixas, como arquétipos, que surgem aqui e acolá, permeando os textos. Entalhando as palavras, Moore garante que, se o conteúdo mágico e holístico do livro não for suficiente para atrair o leitor, a poderosa narrativa cuidará de prender sua atenção até o último parágrafo. São, portanto, mais de trezentas páginas, mas que muito facilmente serão lidas num fôlego só.

sábado, setembro 13, 2025

A arte incrível de Kevin Maguire

 

Kevin Maguire é um desenhista norte-americano famoso por sua fase na Liga da Justiça na década de 1990 em parceria com Keith Giffen e J.M. DeMatteis. Em plena era Image, essas HQs se destacaram pelo bom humor, ótimos desenhos e heróis não atormentados e anatomicamente corretos. Em suma: histórias em quadrinhos divertidas. Maguire tem um talento especial para expressões faciais.. As capas que ele fez para a Liga com vários heróis, cada um com uma expressão facialse tornaram antológica e são até hoje copiadas. Confira mais do trabalho desse divertido artista.















Capas da Grafipar

 


Grafipar foi um das mais importantes editoras de quadrinhos brasileiras. Sob a liderança de Cláudio Seto, a editora montou um catálogo de dezenas de títulos, sempre com toques de erotismo.
Confira algumas capas dessa editora.





Jonah Hex – Promessa a uma princesa

 


Embora fosse uma série essencialmente pessimista, Jonah Hex tinha seus momentos de ternura, a exemplo da história “Promessa a uma princesa”, publicada em Weird Western Tales 12.

Essa história, uma das mais críticas de uma série repleta de críticas sociais, começa com Hex no saloon comendo quando chegam dois homens dispostos a matá-lo. Ambos são imediatamente mortos antes mesmo que possam pegar suas armas.

A sequência é irônica: os ditos homens civilizados agem como marginais. 


Na página seguinte vemos o povo da cidade revoltado: “Aquele louco do Jonah Hex não tá na cidade nem há uma hora e já despachou dois. Vamos deixar que ele continue?”. “Sr. Craig tem razão! Não temos xerife e nós vamos cuidar desse selvagem incivilizado!”. Toda a sequência é repleta de ironia. Os cidadãos de bem afirmam que Hex não está preparado para viver entre pessoas que obedecem a lei... enquanto se preparam para enforcá-lo sem julgamento!

Mas antes que os cidadãos de bem invadam o salão, Hex foge pelos fundos. Quando o vemos de novo, ele está tomando banho num rio quando é surpreendido por uma menina índia, a Pequena Corça, que pega seu revólver e o “Leva como prisioneiro” para a tribo. No meio do caminho, eles atravessam uma ponte que desaba é a vez do cowboy salvar a menina e levá-la para a aldeia. 

Um fato histórico aparece na história: cobertores contaminados com varíola foram usados como guerra biológica contra os índios. 


Nesse ponto, o roteirista John Albano traz um fato histórico real: Hex encontra a aldeia com vários guerreiros mortos, vítimas de varíola. Os homens brancos haviam dado cobertores contaminados como forma de exterminar os índios, como de fato aconteceu na história dos EUA. A Pequena Corça acaba também adoecendo e o anti-herói precisa encontrar um médico para ela.

Uma das sequências da história é exemplar ao mostrar o quanto essa série se diferenciava de outros gibis de faroeste: Jonah Hex avança atirando na direção dos homens brancos enquanto grita: “Vamo, bando de *%*! Heróis da civilização... vô dá um pouco de ação pra vocês!”.