sexta-feira, outubro 31, 2025

Decamerão – a série

 


Uma das séries mais inusitadas (e polêmicas) da Netflix no momento é Decamerão, criada por Kathleen Jordan.

Decamerão é um livro clássico, escrito por Boccaccio entre 1348 e 1353. A história se passa durante a grande peste que devastou a Europa. Um grupo de dez nobres se refugia em um castelo no campo para tentar fugir da doença e, para passar o tempo, contam histórias.

Assim, a maioria dos que conheciam o livro, esperavam uma versão semelhante, com nobres reunidos contando histórias. A versão de Kathleen Jordan não é nada disso. Embora existam alguns momentos em que os personagens contem causos, a trama é focada nos conflitos gerados por pessoas abrigadas em um castelo enquanto a peste os ronda lá fora. E isso é transformado em uma comédia, e não em um dramalhão, a começar pela sequência inicial, com os personagens fugindo da cidade enquanto corpos são jogados no rio.

Todos ali parecem ter algo a esconder: é a criada que tomou o lugar da patroa nobre, são os nobres ricos que na verdade estão falidos e sendo perseguidos por credores, são os empregados que tentam esconder a todo custo que o dono da propriedade morreu da peste, é a esposa do dono do castelo tentando esconder o fato de que não casou com ele.

De todos os personagens, o mais interessante é Tíndaro, interpretado por Douggie McMeekin, o nobre especializado em guerras romanas e que se acha um grande guerreiro, mas na verdade é totalmente inepto para qualquer tipo de batalha. Esse é o personagem que mais cresce ao longo da história e que protagoniza algumas das melhores cenas, como a desastrada tentativa de proteger o castelo contra invasores.

Cama de gato

 


Cama de gato, de Kurt Vonnegut é um dos livros mais estranhos que já li. Pensando bem, é o mais estranho com folga. Para começar, é difícil defini-lo: é ficção científica, sátira, fantasia, biografia fake? Algo ainda mais desconcertante é como um fato aleatório contado no livro mais tarde se relaciona com outro, que se relaciona com outro igualmente aleatório até que tudo parece se relacionar (o que torna praticamente impossível um resumo do livro).
Vonnegut inventa uma religião, o bokonismo e seus preceitos morais atravessam todo o livro, a começar pela citação d´Os livros de Bokomon: “Todas as verdades que estou prestes a contar são mentiras descaradas”, que poderiam se aplicar ao próprio Cama de gato.
Os bokonistas acreditam que a humanidade é dividida em equipes (karass) que realizam a vontade de deus sem nunca entender ou descobrir o que estão fazendo, como nos convida a cantar Bokonon:
"Oh, um grande bebum
No Central Park dormindo
E um caçador de leões,
Na selva agindo
E um dentista chinês
E uma rainha inglesa...
Todos servindo
Na mesma empresa
Lindo, lindo, lindo
Tanta gente diferente
O mesmo plano cumprindo"
A citação é uma boa uma descrição do emaranhado de subtramas e personagens aleatórios se unem no final da obra.
Uma tentativa de resumo seria a seguinte: um jornalista está escrevendo um livro intitulado “O dia em que o mundo acabou”, sobre o dia em que a bomba atômica explodiu sobre Hiroshima. Isso o leva a manter contato com os filhos de Felix Hoenikker, o inventor da bomba atômica e depois o leva a uma ilha no Caribe que ninguém quer e na qual todos seguem o bokonismo. Por trás de tudo isso parece estar uma invenção do professor Hoenikker, muito mais perigosa que a bomba atômica.
Essa descrição pode dar a entender que Cama de gato é um livro difícil, complexo, uma leitura para iniciados. Qual nada. Vonnegut tem uma narrativa deliciosa, quase como estivesse batendo papo com o leitor o tempo todo. Além disso, os capítulos são curtos e quase sempre dominados pelo humor irônico do autor. Você pode até não entender nada, mas certamente vai se divertir com isso.

Thor contra Magneto

 

 

Um dos diferenciais da Marvel com relação a outras editoras é que as histórias eram conectadas. Um herói podia estar patrulhando Nova York e, de repetente, se deparar com o vilão de outra série. É o que acontece, por exemplo, em Jorney into Mystery 109, quando Thor encontra Magneto.

Stan Lee aproveitava para fazer marketing até nos créditos das histórias, com textos grandioloquentes e repletos de aliteração: “Escrito por Stan Lee, o monarca da era Marvel do pináculo de seu poder! Ilustrado por Jack Kirby, o príncipe do pincel, do alto de seu talento titânico”.

Stan Lee usava os créditos para promover a equipe criativa da Marvel. 


Na história, Magneto está usando seus poderes (o que inclui levantar um carro no ar) quando chama a atenção do poderoso Deus do trovão. Usando seu martelo Mjorn (que naquela época se chamava Uru), Thor rastreia o fluxo de energia até o que parece um tronco de árvore boiando no mar, mas na verdade é o submarino do vilão magnético.

Ao ver o poder o invasor, o vilão o toma por um mutante e o convida a fazer parte de seu grupo. Claro que thor não aceita e começa um jogo de gato e rato, no qual o papel de caçador e caça se alternam – com o momento mais perigoso quando o deus do trovão se afasta de seu martelo mais de 60 segundo e volta a ser o frágil Donald Blake (sim, naquela época, Thor não podia se afastar do seu martelo).

Magneto acha que Thor é um um mutante.


Enquanto isso, o restante da irmandade mutante está tentando invadir a sede dos X-men. Uma curiosidade aqui é que os x-men em nenhum momento são mostrados. Apenas o resultado de suas intervenções são vistas, o que instiga a imaginação do leitor e os deixa curioso para conhecer os personagens (Stan Lee mais uma vez com suas estratégias de marketing).

Embora não seja um momento grandioso do deus do trovão, a história mostra como a dupla lee-kirby conseguiam fazer qualquer história se tornar um divertido clássico.

Fundo do baú - Os impossíveis

 


O desenho animado Os impossíveis, lançado pela Hanna Barbera em 1966, unia dois temas muito populares na década de 1960: as bandas de rock e os super-heróis. 

Os protagonistas são um grupo de rock (no qual, curiosamente, todos parecem tocar guitarra) baseado nitidamente nos Beatles com seus penteados diferentes. Quando ocorre uma ameaça, eles se transformam em heróis com poderes extraordinários. 

Os personagem eram Coil o Homem-Mola, um baixinho e gordinho que esticava braços e pernas, o Multi-homem, capaz de criar diversas versões de si mesmo e Homem-fluído, capaz de se transformar em água. Curiosamente, este último usava uma máscara de mergulho, que deveria ser totalmente inútil, já que ele mesmo era a água. O grupo era comandado pelo Big D. 

Havia um certo padrão nas histórias: geralmente começavam com Os impossíveis fazendo um show, ocorria algum tipo de crime, o grupo era acionado por um visor na guitarra do Homem-mola, Big D indicava quem era o vilão e chamava o grupo à ação. 

Os vilões eram uma atração à parte. O Boneco de Papel era um homem feito de papel, que conseguia, por exemplo, entrar em cofres e outros locais fechados. O Bolha era um homem com um arma de bolhas, nas quais aprisionava suas vítimas. 

O texto era repleto de trocadilhos e rimas, a começar pela abertura, com o narrador apresentando os personagens: “Homem-mola - Prepara as teias quando as coisas estão feias. Homem-fluido – fica no lugar quando a briga é de amargar. Homem-multiplo – rei da multiplicação e nos bandidos faz a confusão”. 

Durante os episódios, sempre alguém dizia que o que estava acontecendo era impossível, geralmente após a atuação dos heróis. Mas em alguns casos a frase não tinha nada a ver com os poderes dos personagens, como quando a garota escolhida “A broto do ano” diz que achava que era impossível ganhar o concurso. 

O desenho teve duas temporadas e 37 episódios.  

Mister no - Piratas do rio

 


Os ratos d’água são um fenômeno comum na Amazônia. Bandidos que percorrem os rios para roubar navios, eles são o assunto da trama de Mister no que inicia no número 8 e vai até o 10 da série. 

Na história, o herói vai a Belém comprar uma peça sem a qual o seu avião não pode voar. No meio da viagem, o navio é assaltado por piratas em busca de uma carga de ouro. Para aproveitar a situação, eles resolvem roubar também os passageiros e isso incluí uma maleta na qual está a tal peça do avião. 

A peça do avião do herói é roubada. 


Depois de uma troca de tiros protagonizada por Mister No, dois deles morrem e com eles são encontrados pingentes com jacarés de prata, o que se torna uma pista a ser seguida. 

Depois de ser acusado de homicídio, o herói acaba se aliando a um capitão da polícia para invadir uma reunião dos piratas e descobrir quem é o mistério chefe que usa uma máscara vermelha. 

A única pista é um jacaré de prata. 


Sérgio Bonelli, o roteirista, une com perfeição aventura e humor em sequências memoráveis.

No humor, por exemplo, temos a sequência em que Mister No, para fugir dos perseguidores, dorme dentro de um barco, embrulhado por redes de pesca. “A ginástica de ontem à noite quase me deixou fora de combate. Ginástica? Foi uma olimpíada! Salto em altura... corrida de obstáculos... nado e mergulho... e sobretudo tiro ao alvo, onde eu fazia o papel de alvo!”.

Logo a seguir ele é capturado por um policial em ronda, mas o que para ser uma situação, torna-se humor puro quando os gatos, atraídos pelo cheiro dos peixe, começa a seguir os dois. “O sargento barroso sabe trabalhar”, diz alguém. “Conseguiu capturar um gringo e uma dúzia de gatos!”.  

 

A história une aventura e humor. 

A história tem também um trecho curioso, em que o soldado amazônida reproduz o discurso colonial sobre a Amazônia: “Sempre me perguntei o que o levou a abandonar o país mais evoluído da terra para se sepultar nesta espécie de purgatório dos vivos”, diz ele. Ao que Mister No retruca, apontando para a floresta: “O que me levou? Um bocado de motivos mais ou menos justificados, capitão! E aí está um: olhe ao redor e entenderá”.

A cena mostra uma curiosa inversão, em que o colonizado se apropria do discurso do colonizador de que a Amazônia é um local atrasado e, em uma nova inversão, é o estrangeiro que tenta lhe abrir os olhos para a riqueza cultural e ambiental da sua região.

O colonizado reproduz o discurso do colonizador sobre a Amazônia. 


Não bastasse todos os méritos, a história tem uma tremenda reviravolta no final do 9, que faz o leitor roer as unhas.

Apesar de todas as qualidades, a história tem um defeito: na sequência do navio as pessoas vão sentadas no chão do convés. Qualquer um que já tenha viajado de navio na Amazônia sabe que a tradição é os passageiros irem em redes. 

Ilustração de Tássia Malena para o livro Mazagão

 

Tassia Malena foi minha orientanda na graduação e seu TCC foi tão elogiado pela banca que acabou sendo publicado pela editora da Unifap. Mas foi uma surpresa descobrir que, além de uma ótima acadêmica ela é também uma artista de talento. Essa descoberta me fez convidá-la a ilustrar uma das histórias do livro Mazagão. O conto relata a paixão de um rapaz por uma mulher misteriosa que aparece na beira rio da cidade para vender frutas. Dela nada se sabe além do seu nome: Mariana. Tássia captou com perfeição o clima de mistério dessa trama.

Mazagão está em financiamento coletivo no Catarse. Apoiar é fácil e, além de me ajudar a publicar, você ainda consegue o livro por um valor muito mais baixo do que será vendido no lançamento.

Para adquirir seu exemplar escreva para profivancarlo@gmail.com. O valor é 30 reais mais frete.

quinta-feira, outubro 30, 2025

Obsolência programada

 

Há algum tempo comprei um relógio Cosmos e a pulseira acabou rasgando. Normal. Todo equipamento, em algum momento, tem uma peça que se desgasta. E, no caso do relógio, a pulseira nem é uma peça tão complexa. Ela não impede, por exemplo, o funcionamento do dispositivo. Mas sem ela não dá para usar.
Procurei relojoeiros e todos me diziam a mesma coisa: esse tipo de pulseira, só na autorizada. Na autorizada não tinha, mas podia encomendar, pagando 20 reais adiantando (e mais 400 no ato da entrega). Dois meses depois, acabei desistindo e pedindo meu dinheiro de volta. A moça da relojoaria me disse que pulseira para esse tipo de relógio é realmente muito difícil e que a fábrica não faz a mínima questão de disponibilizar.
O caso me fez acreditar que se trata de um caso de obsolência programada. O produto é feito para ser jogado fora, descartado, em pouco mais de um ano. O preço da pulseira (quase metade do preço do produto) e a dificuldade de conseguir têm como objetivo fazer com que o consumidor desista de tentar consertar o velho e resolva comprar um novo.
Um amigo, que vive de consertar eletrodomésticos, me dizia que algumas peças são tão caras quanto o produto em si. Impressora, por exemplo, não compensa consertar. Melhor jogar fora e comprar outra.
Isso sem falar nos produtos tecnológicos, como celulares, que são lançados hoje e daqui a um mês têm uma versão mais avançada, cujo objetivo é fazer a pessoa descartar o "velho" e comprar uma nova versão.
Se isso é muito bom para as empresas, é péssimo para o meio ambiente. O impacto ambiental de um relógio que você usa 20 anos é muito menor do que um relógio que você usa um ano e joga fora.

Desafiador - Retorno à eternidade

 

 


Em 1986 a DC lançou uma minissérie do personagem Desafiador (também conhecido no Brasil como Deadman) escrita por Andrew Helfer e ilustrada por José Luís Garcia-Lopez. Essa série foi merecidamente lançada aqui em edição de luxo pela Panini.
Esse é um daqueles casos em que uma HQ vale essencialmente pelos desenhos. Em 1986 Garcia-López estava na sua melhor forma e cada quadro, cada página dessa HQ é um quadro que um fã de quadrinhos poderia pendurar em sua parede – a começar pela linda capa.


Já o roteiro... o roteiro vai e volta e você não consegue entender muito bem onde se quer chegar. A maioria dos problemas é causado pelo próprio protagonista que, ou está fazendo bobagens ou está se deixando levar pelo destino e tendo pouca participação real na soluções. O personagem provoca a morte do próprio irmão e até a destruição da cidade sagrada mantida pela deusa Rama Kushna (é impressionante que ele não provoque também o fim do mundo!).

A Bíblia do roteiro de quadrinhos

 


 

Descubra os segredos dos grandes roteiristas de quadrinhos e crie HISTÓRIAS INCRÍVEIS

Nos quadrinhos, os desenhos chamam a atenção de possíveis leitores, mas só bons roteiros garantem histórias memoráveis. E é essencial que o roteirista não só tenha ideias inspiradas, mas também que saiba transmiti-la perfeitamente para os desenhistas.
Para isso, nesta obra apresentamos as melhores ferramentas utilizadas para produzir roteiros profissionais. Mas vamos além: abrimos a mente do leitor para as possibilidades da nona arte, pois profissionais sabem usar estas ferramentas, e gênios as usam para abrir novos horizontes.

Valor: 60 reais + 15 de frete. Pedidos: profivancarlo@gmail.com. 

Sobre a escrita, de Stephen King

 


Stephen King é um dos escritores mais famosos de nossa época. É também um dos mais prolíferos. Ele escreve tão rápido, de maneira tão aparentemente espontânea, que parece ao leitor que não há nenhuma técnica envolvida, o que é totalmente falso, como mostra o livro Sobre a escrita, lançado no Brasil pela editora Suma.
A obra é uma mistura de biografia com manual. A parte biográfica tem como objetivo mostrar ao leitor os vários fatos que levaram King a se tornar um escritor de terror e moldaram seu estilo, desde os filmes que ele assistia na adolescência até o editor de um jornal de esportes no qual King trabalhou quando adolescente e que lhe ensinou muito sobre a escrita apenas corrigindo sua primeira matéria: “Acho que ele pensou que eu estivesse aterrorizado. Pelo contrário, eu estava tendo uma revelação. Por que, perguntei a mim mesmo, os professores de inglês não faziam o mesmo?”.
A biografia inclui também as primeiras tentativas de produzir textos literários, que inevitavelmente lhe rendiam problemas na escola. Em uma dessas empreitadas ele fez uma adaptação literária da filme Mansão do terror (que tinha roteiro de Richard Matheson e era dirigido por Roger Corman). King fez algumas cópias e levou para a escola. Até a hora do intervalo ele vendeu três dúzias de cópias. Resultado: acabou sendo chamado à diretoria. A diretora o obrigou a devolver o dinheiro de todos e lhe perguntou se ele queria desperdiçar seu talento escrevendo “aquele tipo de lixo”.
Ele continou escrevendo “lixo” e mandando para revistas, mas o que ganhava, mesmo incluindo os salário de professor apenas deixava ele e a família um pouco acima da linha da pobreza. Mas quem o salvou de fato foi a esposa, Tabitha. Ela tirou do lixo o primeiro esboço de Carrie, a estranha, e o estimulou a continuar escrevendo. O livro foi aceito por uma editora grande e havia a perspectiva de ser comprado para edições de bolso. King e a esposa sonhavam que a editora de livros de bolso pagasse 60 mil dólares pelos direitos, o que lhes daria 30 mil, o equivalente ao que King ganharia em quatro anos como professor. No final, os direitos foram adquiridos por 400 mil dólares. Era como se tivessem acabado de ganhar na loteria.
Fazendo um pequeno adendo, o livro é também uma declaração de amor de King à esposa. Quando relata a situação em que foi atropelado ele conta que a sua maior preocupação foi pedir aos enfermeiros que dissessem à sua esposa o quanto ele a amava, caso morresse.
O livro também conta o problema de King com drogas e o medo de se livrar do vício e não conseguir continuar a escrever.
Mas a parte mais interessante para quem comprou o livro pensando em aprender a escrever é aquele que dá nome ao livro. Embora nem sempre se concorde com King, é interessante perceber as de ferramentas que ele utiliza em suas histórias.
A primeira dica de King é aquela que deveria constar em letreiros grandes acima da mesa de qualquer que queira ser escritor: a única maneira de aprender a escrever bem é ler e escrever muito. King inclusive conta sobre pessoas que lhe dizem que gostariam ser escritoras, mas argumentam que não têm tempo para ler. A mesma coisa vale para quem diz que não tem tempo para escrever. King escreveu seus dois primeiros romances, Carrie e A hora do vampiro, nos poucos intervalos do trabalho, na lavanderia do trailer onde morava, usando uma máquina Olivetti portátil e equilibrando uma mesa infantil nas pernas.
Sobre o gênero que a pessoa irá escolher, King tem um conselho simples: escreva o que gosta de ler. ele, por exemplo, adorava os quadrinhos da EC Comics, e, por consequência, se tornou um autor de terror.
Na parte mais técnica, o livro divide a arte de escrever em três partes: a narração, a descrição e os diálogos. Curiosamente ele não fala da narrativa ou de trama em seu livro porque acredita as histórias se escrevem sozinhas. Ele começa com um “E se” e escreve a partir daí. Então: “E se vampiros invadissem uma pequena cidade da Nova Inglaterra? (A hora do vampiro) E se mãe e filho ficassem encurralados por um cachorro raivoso em um carro pifado? (Cujo)”.
Embora nem sempre os conselhos de King seja aplicáveis a todo mundo (comigo, por exemplo, não funciona começar a escrever sem ter o plot todo estruturado), Sobre a escrita é um livro que vale a pena ler. Não só pelas dicas, mas também pelas ótimas histórias contadas por um mestre da narrativa.

Informação relevante

 


“Como faço para conservar meu casamento?”; “De que maneira posso me tornar mais feliz?”; “O que posso fazer para que formigas não ataquem minhas flores?”; ”Que tipo de filme devo assistir no final de semana?”; "Qual o melhor local para viajar no final de semana?".
              Essas são perguntas que dificilmente serão respondidas consultando-se um catálogo de biblioteca. No entanto, são perguntas importantes para as pessoas. As respostas a essas perguntas fazem parte do universo relevante.
              Esse é o tipo de informação que não se encontra em bibliotecas ou na educação formal (muitas bibliotecas talvez contenham essas respostas, mas a organização dos catálogos, essencialmente classificadora, torna quase impossível encontra-las).
              Geralmente essas notícias são fornecidas por amigos ou conhecidos. Se quero viajar no final de semana e não sei para onde ir, é mais prático pedir sugestão a um amigo do que consultar uma biblioteca ou um site.
              O cérebro humano lida melhor com a informação relevante do que qualquer computador ou biblioteca. Para uma pessoa que viaja muito, lembrar-se de locais agradáveis é uma informação muito relevante e, portanto de fácil recuperação.
              Embora nossa cultura dê pouca importância ao universo relevante, ele é de grande importância.
              Na verdade, o universo classificador está tão entranhado em nosso pensamento que a própria divisão de informação classificador, relevante e relacional tem como base o universo classificador.
              Entrentanto, o desenvolvimento da inteligência artificial só pode ocorrer se for construída uma máquina capaz de processar os três tipos de informação.

O rei do povo

 


Um filme indiano é O rei do povo, dirigido por Sidharth Malhotra. Surpreendente por seu tema, o fanatismo religioso e por sua mensagem feminista.

Na história, um jornalista luta contra um líder religioso que usa sua condição para praticar abusos contra mulheres.

A trama inicia com uma celebração religiosa repleta de danças, músicas e um pó colorido que os fieis jogam uns nos outros. Durante a festa, o líder da seita, que todos acreditam ser uma reencarnação do deus Krishna, escolhe justamente a noiva do protagonista para o “serviço divino”. Ao procurá-la no palácio e informar que se trata do noivo da escolhida, ele é autorizado a assistir ao “serviço divino” junto com outros homens que pagaram para tanto. É quando ele descobre que o tal serviço é na verdade manter relações sexuais com o líder religioso.

Toda a situação gera um conflito que leva a noiva ao suicídio e dá ao jornalista uma missão: desmascarar o suposto deus. Ele descobre além dos abusos abortos forçados e até assassinato.

Claro que alguém assim não permitiria que seus crimes fossem denunciados e faz tudo que pode, desde confiscar os jornais a fechar os templos (os fieis não podiam se alimentar antes das orações matinais, o que, teoricamente, forçaria todos a um jejum forçado) e, finalmente, uma ação judicial.

Um filme desses é surpreendente pelo fato da Índia ser um país extremamente religioso e pelo fato dessa seita existir até hoje. Aliás, o diretor foi muito cuidadoso, chegando a incluir um aviso no final, indicando que a seita não era responsável pelas ações de seu líder.

Como filme, O rei do povo é uma boa obra, que prende o leitor. Nem mesmo a mania bollywoodiana de colocar musicais em tudo atrapalha. Há, por exemplo, um musical na qual a noiva tenta convencer as outras garotas a não se entregarem para o serviço divino.

Vale destacar a atuação de Jaideep Ahlawat como o líder religioso. Sua atuação contida e meticulosa encaixa muito bem em um personagem que se acha um deus acima dos mortais. Ele consegue parecer perigoso mesmo sem modificar o tom suave de sua voz e fisionomia.

O rei do povo está disponível na Netflix.

Arquitetura da destruição: o plano estético de Hitler

 


O filme "Arquitetura da Destruição" (Suécia, 1989), de Peter Cohen mostra a evolução da proposta estética nazista.
Segundo do documentário, Hitler queria embelezar o mundo, mesmo que para isso fosse necessário destruí-lo.
Hitler, assim como alguns de seus mais próximos colaboradores eram intimamente ligados à arte. O ditador chegou a produzir algumas gravuras, que posteriormente foram usadas como modelos para obras arquitetônicas.
Os nazistas dizia que a arte moderna representava uma sociedade e um ser humano degenerados e estava relacionada ao bolchevismo e aos judeus. Hitler destacava a semelhança entre as figuras deformadas da arte moderna e as pessoas deficientes, provocadas, segundo ele, pela mistura de raças.
Em contraposição a isso, ele defendia o ideal de beleza ariana que fosse sinônimo de saúde. O mundo imaginado por Hitler seria domiando por homens e mulheres arianos, de corpos perfeitos e belos.
Para conseguir chegar a esse estágio ideal, era necessário eliminar a sujeira representada pelos judeus. Os nazista associaram a limpeza que deveria ser feita pelo trabalhador em sua casa e em seu local de trabalho, com a limpeza racial que deveria ser feita na Alemanha.

quarta-feira, outubro 29, 2025

O budismo é uma negação do mundo?

 


Há uma visão comum de que o budismo seria um tipo de alienação do mundo. Nessa visão, o budista viveria numa bolha de coisas belas e agradáveis onde não haveria espaço para notícias de mortes, doenças e sofrimento. Nada poderia ser mais equivocado que essa imagem.

Sidarta Gautama, que viria a se tornar o Buda, foi criado num palácio no qual não podia penetrar nada feio ou doloroso. Nada de morte, doença, velhice, sofrimento. Nada que pudesse aflingir o seu espírito. Apenas as belezas da vida numa existência de eterna alegria e tranquilidade.

Quando sai do palácio, Sidarta encontra uma pessoa doente, depois uma pessoa envelhecida e finalmente um enterro. Essa revelação provoca nele uma tremenda crise existencial. Até então vivendo num mundo de felicidade eterna, ele se viu frente a frente com a realidade do mundo, onde o sofrimento não só existia como na maioria das vezes era a regra.

Muitas pessoas voltariam para a fortaleza onde só existiam coisas agradáveis e belas, mas Sidarta Gautama percebeu que aquele castelo  de alegrias e paz de espírito era apenas uma ilusão.  Para alcançar a verdadeira paz de espírito, o primeiro passo era admitir a existência do sofrimento.

Mais tarde, quando despertou (Buda significa aquele que acordou), Sidarta percebeu que aquilo que ocorrera com ele era apenas um exemplo extremo do que ocorre com a maioria das pessoas. Elas constroem ao redor de si uma fortaleza para se abrigar de todas as tristezas do mundo, um local onde não entram notícias de doenças, mortes, tragédias. E é exatamente essa fortaleza que impede que consigam alcançar a iluminação e a superação do sofrimento. Como dizia Renato Russo, “Tudo é dor, e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”.

Segundo Alan W. Watts, autor do livro O espírito do zen, o homem sofre devido ao seu desejo de possuir e manter para sempre coisas que, por essência, são impermanentes. “Dentre essas coisas, a principal é a sua própria pessoa, pois ela é o meio que serve para se isolar do resto da vida, seu castelo”.

Ainda segundo esse autor, a pessoa acredita que essa posição fortificada e isolada é o melhor meio para obter a felicidade. Mas “Buda ensinou que todas as coisas, incluindo esse castelo, são essencialmente  impermanentes e que tão logo o homem tente possuí-las, elas escapam”, explica Alan W. Watts. A frustação de não conseguir manter essa bolha gera o sofrimento.

Assim, o budismo não tem a função de nos isolar do mundo. Ao contrário, ele nos ajuda a entender que o mundo é feito de doenças, sofrimento e morte (essa é a primeira nobre verdade) – e aprender a lidar com esses fatos da vida.  

Um exemplo disso são as doenças. Ignorar as notícias sobre o assunto só vai fazer com que fiquemos ainda mais propensos a adoecermos já que não saberemos como nos proteger.

Outro exemplo é a violência urbana. Ao ignorar esse perigo podemos ficar ainda mais propensos a sermos vítimas dessa violência.  

Isolar-se do mundo, negando-se a receber qualquer notícia que aflinja nosso espírito é apenas criar para si uma ilusão que irá provocar ainda mais sofrimento, pois, como toda ilusão, ela não pode ser mantida. Só podemos superar o sofrimento se tivermos consciência da existência do sofrimento.

X-men 2099

 


Em 1993 a Marvel resolveu criar uma nova linha de quadrinhos, com versões futuristas de seus principais personagens. Entre os vários títulos lançados estava X-men 2099.
Na série os personagens tinham pouco a ver com os heróis originais. A única coisa que os unia era o fato de serem mutantes. Enquanto os X-men originais salvavam o mundo e combatiam supervilões, a versão futurista deles apenas queria sobreviver num mundo que caça quem era diferente.
Na história, o mundo havia visto um crescimento exponencial de mutantes, a maioria dos quais mortos em um evento chamado O grande expurgo. “Os mutantes dessa época fazem parte de uma classe oprimida, que não pode pagar para que seus filhos nasçam sem o fator X em seu DNA. Aqueles que apresentam características mutantes são tratados como párias em seu próprio meio social”, explicava o editor Tom DeFalco.
Era uma premissa interessante, que poderia render histórias realmente memoráveis e altamente críticas, mas que não passou da aventura superficial, como vimos no número 1 lançado pela editora Abril.
O roteiro era de John Francis Moore. Os desenhos ficavam a cargo de Ron Lin e Adam Kubert na arte-final.
A história acompanhava a chegada do personagem Timothy Fitzgerald no complexo nuevo sol, local que serve como refúgio de mutantes. Lá ele se depara com um show de rock e sua apoteose: a aparição do personagem Xian, o líder do local. Na sequencia Xian sofre um atentado, é salvo por Fitzgerald e depois todo o local é invadido por uma organização chamada o sindicato. Só alguns se salvam e conseguem fugir. E a trama segue esse caminho: a tentativa de encontrar um local seguro.
O visual dos personagens era totalmente baseado na "Era Image". 

Como dito, daria para aproveitar essa ambientação e esse plot que fugia dos moldes dos super-heróis para fazer algo realmente aprofundado tanto nos personagens quanto em termos sociais. A história, entretanto, não vai muito além do óbvio, embora seja divertida de se ler, ainda mais se considerarmos que essa era a época Image, em que a qualidade dos roteiros caiu vertiginosamente.
Já Ron Lin é um desenhista sem estilo cuja principal característica é mimetizar o traço de outros artistas – e aqui ele está imitando o estilo dos caras da Image, o que dá uma boa ideia do nível das ilustrações. Adam kubert parece salvar as ilustrações com sua arte-final, mas nem sempre. Na verdade, até a assinatura do Adam era melhor e mais legível que a de Ron Lim.
Talvez o que mais chame a atenção nesse gibi seja a capa, com efeito metalizado, uma novidade na época.

Hoje, 29 de outubro, é o Dia Nacional do livro. 

Para comemorar, a lista dos 50 livros que considero essenciais. 



1.     História do mundo para crianças, de Monteiro Lobato

2.     Urupês, de Monteiro Lobato

3.     1984, de George Orwell

4.     Farenheit 451, de Ray Bradbury

5.     Admirável mundo novo, de Adous Huxley

6.     Robison Crusué, de Daniel Defoe

7.     As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

8.     O nome da rosa, de Umberto Eco

9.     O último mamífero do Martinelli, de Marcos Rey
10.   As aventuras de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle

11.   Fundação, de Isaac Asimov
12.   Os pilares da terra, de Ken Follett
13.   Guerra dos mundos, de H. G. Welles
14.   Guerra dos tronos, de George Martin
15.   Eu robô, de Isaac Asimov

16.   Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury
17.   O caso dos dez negrinhos, de Agatha christie
18.   O Aleph, Jorge Luis Borges 
19.   Um Estudo em Vermelho, Arthur Conan Doyle
20.   O Homem Ilustrado, Ray Bradbury

21.   Viagem ao centro da terra, de Julio Verne
22.   Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe
23.   À espera de um milagre, de Stephen King
24.   Cemitério, de Stephen King
25.   Quatro estações, de Stephen King

26.   Um conto de duas cidades, de Charles Dickens
27.   Revolução dos bichos, de George Orwell
28.   Noites na Taverna, Álvares de Azevedo
29.   O Relato de Arthur Gordon Pym, Edgar Allan Poe
30.   A Ilha do Dia Anterior, Umberto Eco
31.   Eu Sou a Lenda, Richard Matheson
32.   Assassinato no Expresso do Oriente, Agatha Christie
33.   Elefantes não esquecem, de Agatha Christie
34.   O espião pacifista, de Donald Westlake
35.   Safra vermelha, de Dashiell Hammett
36.   O sequestro do metrô, de John Godey

37.   Carrie, de Stephen King
38.   O cair da noite, de Isaac Asimov
39.   A máquina do tempo, de H. G. Wells
40.   Conto de Natal, de Charles Dickens
41.   Operação cavalo de troia, de J.J. Benitez
42.   O hobbit, de J.R.R. Tolkien
43.   O chamado de Cthulhu, de H.P. Lovecraft

44.   As crônicas de Narnia, de C.S. Lewis
45.   O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey
46.   As aventuras de Xisto, de Lúcia Machado de Almeida
47.   O capote, de Nicolai Gógol
48.   O Nariz, de Nicolai Gógol
49.   Medo e delírio em Las Vegas, de Hunter Thompson
50.   Oliver Twist, de Charles Dickens